O LASTIMÁVEL PESO DA GUERRA
Mais de sete anos de guerra no Iraque – o fim e o peso
“Os alemães que sacrificaram a vida para ampliar seu império
em direção ao leste, os russos que morreram para que o poder de seu país se estendesse em direção ao oeste, esses, sim, morreram por uma tolice, e a morte deles é destituída de sentido, de qualquer valor geral.” Esta passagem de A Insustentável Leveza do Ser (1984), de Milan Kundera, traz à tona o pesado fardo de sete anos de ocupação dos Estados Unidos no Iraque: custos aproximados de U$ 744 bilhões, sobreposição de interesses unilaterais à ordem internacional, mais de quatro mil soldados americanos mortos, estimativas de cem mil civis iraquianos vitimados e a dúvida quanto ao aprendizado histórico.
A “Guerra ao Terror” foi declarada pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, nove dias após os atentados de 11 de setembro. Ainda sob impacto, a sociedade parecia apoiar a decisão de contra-ataque. Por meio de documentos e de discursos panfletários que omitiam o real interesse estratégico americano no Iraque, a imagem de Saddam Hussein foi associada a uma espécie de encarnação pós-Hitler do Mal, campanha de absoluta importância para a conquista do apoio popular. Em 17 de março de 2003, mesmo com a relutância da ONU, Bush ordenou que suas tropas e as aliadas invadissem o país. Durante a missão, não foram encontrados armamentos nucleares nem comprovadas as relações entre Saddam e grupos terroristas – a sociedade posicionou-se contra a guerra, Bush atingiu índices recordes de impopularidade, a política externa americana caiu em maior descrédito até que, em 31 de agosto de 2010, Barack Obama declarou o fim desse “ponto inicial” do século XXI.
“Cada país tem uma decisão a tomar: ou você está do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Com esse tipo de argumento mesquinho, Bush deixou claro o que poderia acontecer a quem se opusesse à invasão. Calados (haveria outro modo?), assistimos nesse período a um festival de notícias que tinham de infeliz o que lhes faltava de surpreendente. Surpreendente mesmo é perceber que, após superar o século das guerras (estranhamente, também o das ciências) e ter acesso a seus registros mais sórdidos, tanto numéricos quanto existenciais, o ser humano insiste em violar, em coagir, em apodrecer.
Em pleno século XXI, uma guerra não deixa de ser sinal de apodrecimento. Valores, direitos, razão, consciência, política – qual o valor das vítimas? Com que direito um país exige a “cabeça” do presidente de outro? É racional o apoio da sociedade à ocupação de um país como se todos lá fossem terroristas (não foi mais ou menos essa a lógica do Nazismo?)? A História que aprendemos nos livros não gera consciência prática? Interesses políticos podem legitimar uma guerra?
De forma nenhuma há aqui defesa a terroristas – qualquer “justiça” feita com as próprias mãos é antidemocrática, contrária a vontade de um povo. Todavia, intervir tal qual fizeram os americanos não soou como terrorismo à sociedade iraquiana? Um governo cumpre sua obrigação, por exemplo, quando intervém com forças armadas em favelas a fim de deter o desenvolvimento de um antipoder como o do tráfico dentro de um território já possuidor de poder legítimo. Já quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, em vez de defender direitos dos iraquianos, não agiram como se fossem proprietários de territórios além-fronteiras que devem viver segundo seus conformes?
Disfarçados de mediadores da paz mundial, os norte-americanos apoiam e levantam, acusam e derrubam governos sem a necessidade, contudo, de critérios legítimos ou retratações. Até quando? Enquanto formos tão susceptíveis a tudo que o american way of life oferece, assim seremos a tudo que o Tio Sam decidir e impuser – daí nosso silêncio e estagnação durante e ao término do conflito. Uma última questão: se as guerras compradas pelos Estados Unidos tivessem de ser disputadas em solo americano, republicanos e democratas seriam favoráveis a elas?
em direção ao leste, os russos que morreram para que o poder de seu país se estendesse em direção ao oeste, esses, sim, morreram por uma tolice, e a morte deles é destituída de sentido, de qualquer valor geral.” Esta passagem de A Insustentável Leveza do Ser (1984), de Milan Kundera, traz à tona o pesado fardo de sete anos de ocupação dos Estados Unidos no Iraque: custos aproximados de U$ 744 bilhões, sobreposição de interesses unilaterais à ordem internacional, mais de quatro mil soldados americanos mortos, estimativas de cem mil civis iraquianos vitimados e a dúvida quanto ao aprendizado histórico.A “Guerra ao Terror” foi declarada pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, nove dias após os atentados de 11 de setembro. Ainda sob impacto, a sociedade parecia apoiar a decisão de contra-ataque. Por meio de documentos e de discursos panfletários que omitiam o real interesse estratégico americano no Iraque, a imagem de Saddam Hussein foi associada a uma espécie de encarnação pós-Hitler do Mal, campanha de absoluta importância para a conquista do apoio popular. Em 17 de março de 2003, mesmo com a relutância da ONU, Bush ordenou que suas tropas e as aliadas invadissem o país. Durante a missão, não foram encontrados armamentos nucleares nem comprovadas as relações entre Saddam e grupos terroristas – a sociedade posicionou-se contra a guerra, Bush atingiu índices recordes de impopularidade, a política externa americana caiu em maior descrédito até que, em 31 de agosto de 2010, Barack Obama declarou o fim desse “ponto inicial” do século XXI.
“Cada país tem uma decisão a tomar: ou você está do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Com esse tipo de argumento mesquinho, Bush deixou claro o que poderia acontecer a quem se opusesse à invasão. Calados (haveria outro modo?), assistimos nesse período a um festival de notícias que tinham de infeliz o que lhes faltava de surpreendente. Surpreendente mesmo é perceber que, após superar o século das guerras (estranhamente, também o das ciências) e ter acesso a seus registros mais sórdidos, tanto numéricos quanto existenciais, o ser humano insiste em violar, em coagir, em apodrecer.
Em pleno século XXI, uma guerra não deixa de ser sinal de apodrecimento. Valores, direitos, razão, consciência, política – qual o valor das vítimas? Com que direito um país exige a “cabeça” do presidente de outro? É racional o apoio da sociedade à ocupação de um país como se todos lá fossem terroristas (não foi mais ou menos essa a lógica do Nazismo?)? A História que aprendemos nos livros não gera consciência prática? Interesses políticos podem legitimar uma guerra?
De forma nenhuma há aqui defesa a terroristas – qualquer “justiça” feita com as próprias mãos é antidemocrática, contrária a vontade de um povo. Todavia, intervir tal qual fizeram os americanos não soou como terrorismo à sociedade iraquiana? Um governo cumpre sua obrigação, por exemplo, quando intervém com forças armadas em favelas a fim de deter o desenvolvimento de um antipoder como o do tráfico dentro de um território já possuidor de poder legítimo. Já quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, em vez de defender direitos dos iraquianos, não agiram como se fossem proprietários de territórios além-fronteiras que devem viver segundo seus conformes?
Disfarçados de mediadores da paz mundial, os norte-americanos apoiam e levantam, acusam e derrubam governos sem a necessidade, contudo, de critérios legítimos ou retratações. Até quando? Enquanto formos tão susceptíveis a tudo que o american way of life oferece, assim seremos a tudo que o Tio Sam decidir e impuser – daí nosso silêncio e estagnação durante e ao término do conflito. Uma última questão: se as guerras compradas pelos Estados Unidos tivessem de ser disputadas em solo americano, republicanos e democratas seriam favoráveis a elas?

2 comentários:
Phábio maravilhoso!
Interessaqnte!!!
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