domingo, 5 de setembro de 2010

Opinião

O LASTIMÁVEL PESO DA GUERRA
Mais de sete anos de guerra no Iraque – o fim e o peso

por Fábio Congiu
“Os alemães que sacrificaram a vida para ampliar seu império em direção ao leste, os russos que morreram para que o poder de seu país se estendesse em direção ao oeste, esses, sim, morreram por uma tolice, e a morte deles é destituída de sentido, de qualquer valor geral.” Esta passagem de A Insustentável Leveza do Ser (1984), de Milan Kundera, traz à tona o pesado fardo de sete anos de ocupação dos Estados Unidos no Iraque: custos aproximados de U$ 744 bilhões, sobreposição de interesses unilaterais à ordem internacional, mais de quatro mil soldados americanos mortos, estimativas de cem mil civis iraquianos vitimados e a dúvida quanto ao aprendizado histórico.

A “Guerra ao Terror” foi declarada pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, nove dias após os atentados de 11 de setembro. Ainda sob impacto, a sociedade parecia apoiar a decisão de contra-ataque. Por meio de documentos e de discursos panfletários que omitiam o real interesse estratégico americano no Iraque, a imagem de Saddam Hussein foi associada a uma espécie de encarnação pós-Hitler do Mal, campanha de absoluta importância para a conquista do apoio popular. Em 17 de março de 2003, mesmo com a relutância da ONU, Bush ordenou que suas tropas e as aliadas invadissem o país. Durante a missão, não foram encontrados armamentos nucleares nem comprovadas as relações entre Saddam e grupos terroristas – a sociedade posicionou-se contra a guerra, Bush atingiu índices recordes de impopularidade, a política externa americana caiu em maior descrédito até que, em 31 de agosto de 2010, Barack Obama declarou o fim desse “ponto inicial” do século XXI.

“Cada país tem uma decisão a tomar: ou você está do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Com esse tipo de argumento mesquinho, Bush deixou claro o que poderia acontecer a quem se opusesse à invasão. Calados (haveria outro modo?), assistimos nesse período a um festival de notícias que tinham de infeliz o que lhes faltava de surpreendente. Surpreendente mesmo é perceber que, após superar o século das guerras (estranhamente, também o das ciências) e ter acesso a seus registros mais sórdidos, tanto numéricos quanto existenciais, o ser humano insiste em violar, em coagir, em apodrecer.

Em pleno século XXI, uma guerra não deixa de ser sinal de apodrecimento. Valores, direitos, razão, consciência, política – qual o valor das vítimas? Com que direito um país exige a “cabeça” do presidente de outro? É racional o apoio da sociedade à ocupação de um país como se todos lá fossem terroristas (não foi mais ou menos essa a lógica do Nazismo?)? A História que aprendemos nos livros não gera consciência prática? Interesses políticos podem legitimar uma guerra?

De forma nenhuma há aqui defesa a terroristas – qualquer “justiça” feita com as próprias mãos é antidemocrática, contrária a vontade de um povo. Todavia, intervir tal qual fizeram os americanos não soou como terrorismo à sociedade iraquiana? Um governo cumpre sua obrigação, por exemplo, quando intervém com forças armadas em favelas a fim de deter o desenvolvimento de um antipoder como o do tráfico dentro de um território já possuidor de poder legítimo. Já quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, em vez de defender direitos dos iraquianos, não agiram como se fossem proprietários de territórios além-fronteiras que devem viver segundo seus conformes?

Disfarçados de mediadores da paz mundial, os norte-americanos apoiam e levantam, acusam e derrubam governos sem a necessidade, contudo, de critérios legítimos ou retratações. Até quando? Enquanto formos tão susceptíveis a tudo que o american way of life oferece, assim seremos a tudo que o Tio Sam decidir e impuser – daí nosso silêncio e estagnação durante e ao término do conflito. Uma última questão: se as guerras compradas pelos Estados Unidos tivessem de ser disputadas em solo americano, republicanos e democratas seriam favoráveis a elas?

2 comentários:

PCM disse...

Phábio maravilhoso!

Anônimo disse...

Interessaqnte!!!

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